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Thursday, February 18, 2010

Banco de Desenvolvimento em Mocambique: O secretismo da Banca Comercial


Arão Valoi

Desde que em Setembro de 1997 foi privatizado o Banco Popular de Desenvolvimento (BPD), com quase 200 milhões de Meticais de crédito malparado, o país ficou sem um banco com competências e com experiências cristalizadas para o financiamento ao desenvolvimento. Começaram a surgir sérios debates sobre a necessidade de criação de um novo banco com características e vocação semelhantes àquele. A ideia já criou diversas reacções. O Governo diz que está a ponderá-la. O sector privado está a pressionar, uma vez que sente falta de instrumentos financeiros para a materialização dos seus projectos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) manifesta-se contrário, uma vez que pensa que, à semelhança do BPD, esse banco poderá ser usado pela elite política para a obtenção de fundos para fins obscuros. A banca comercial diz apoiar a iniciativa, mas também têm estado, em surdina, a contestar a sua criação, uma vez que teme que se gere uma situação de concorrência, já que diz ter certeza que as taxas de juro terão de ser concessionais.

Já há muito que se debate a re-invenção do Banco Popular de Desenvolvimento, privatizado em 1997. Empresários e economistas acreditam que, por causa dos condicionalismos impostos pela Banca Comercial, aliados à sua incapacidade em cobrir necessidades financeiras avultadas, nomeadamente, financiamentos a infra-estruturas, concessão de crédito agro-pecuário, o país deveria institucionalizar um mecanismo mais prudente que servisse para financiar projectos de grande envergadura, vitais para o desenvolvimento do País.

Mas no meio destes debates, há quem discorde, embora em surdina, da criação desta instituição financeira. É a banca comercial. E o receio é lógico. Teme-se que este novo banco que, “terá de praticar taxas de juro concessionais”, segundo Magid Osman, ex-PCA do BCI/Fomento, trave um efeito concorrencial fora do comum e que retire da banca comercial, grande parte dos seus negócios.

Aliás, Osman fez um estudo, diga-se, profundo sobre este assunto. No estudo, na posse do Jornalisticamente falando, nota-se alguma indignação por parte daquele economista, sobretudo quando afirma que “...o Banco de Desenvolvimento teria de competir com a banca privada na mobilização das poupanças nacionais limitadas e, para o efeito, teria de remunerar as mesmas a taxas muito próximas das do mercado

Em consequência, as taxas de juros a praticar na concessão de empréstimos seriam ligeiramente inferiores às dos bancos comerciais, tornando-as incomportáveis para o financiamento de infra-estruturas”.
Magid mostra outros argumentos para fazer valer o seu “não” a este banco. Tal como escreve, “a banca moçambicana (comercial) também tem vindo a financiar as empresas privadas e públicas moçambicanas, aumentando constantemente a taxa de conversão de depósitos em empréstimos e, em certos casos, os financiamentos são de montantes elevados como é o caso do financiamento a importadores e distribuidoras nacionais de combustíveis e, para o efeito, os bancos locais têm de obter garantias externas”.

O ex-PCA do BCI/Fomento afirma que “obviamente, a justificação para a criação de um Banco de Desenvolvimento não pode ser a de que os outros países também o têm, pois pode-se contra-argumentar que existem muitos países que não o têm. Além disso, muitos dos bancos referidos são de países desenvolvidos e têm por objectivo canalizar a ajuda externa, que não é o caso de Moçambique, e outros reflectem as circunstâncias históricas do momento pelo que não podem ser pura e simplesmente copiados”. Acrescenta que o referido banco não pode ser usado como panaceia para os problemas de desenvolvimento de Moçambique. “Para alguns, o Banco de Desenvolvimento poderá ser a solução para muitos problemas críticos do nosso processo de desenvolvimento, na convicção de que a ausência de créditos facilitados constitui “per si” maior obstáculo ao desenvolvimento acelerado e sustentado.

A ausência de instrumentos especiais que facilitem o acesso a recursos financeiros é, de facto, um dos problemas que urge resolver, mas não é único e, se calhar, nem é o mais estratégico pois, mesmo resolvendo este (o de crédito), os outros ficarão por resolver”, escreve Magid Osman alertando que “se um banco for criado com estas expectativas – o de panaceia para outros problemas críticos de desenvolvimento, então a sua criação é certamente um erro, pois os outros factores críticos não serão tratados atempadamente, exacerbando, entretanto, os problemas da pobreza rural, de desigualdade regional, de ausência de um empresariado nacional, etc.. cuja solução, no futuro, se tornará mais difícil e complexa”.

Um banco para financiar as infra-estruturas?

“Habitualmente, os bancos de desenvolvimentos estão associados aos financiamentos concessionais para infra-estruturas públicas ou privadas ou para grandes projectos. No caso particular de Moçambique, alguns dos defensores de um banco de desenvolvimento estão conscientes que o banco pretendido não é desse tipo”, insiste Osman e passa a explicar: “indiscutivelmente, Moçambique tem grande carência de infra-estruturas económicas e sociais – de barragens, regadios, estradas, escolas, hospitais, rede electrificada etc., quer geridas pública ou pelo sector privado.

As nossas taxas de crescimento económico dos últimos anos só foram possíveis porque a formação bruta de capital fixo atingiu em média os 25% do PIB, representando o investimento público cerca de metade desse valor. Isto é, o Estado tem vindo a investir cerca de 12.5% do PIB em média nos últimos anos, ou seja, um montante situado entre 400 a 500 milhões de USD/ano.

Sendo o investimento público, na sua quase totalidade, financiado pela “ajuda externa”, poderá um Banco de Desenvolvimento substituir-se ao apoio da comunidade internacional ou, numa versão minimalista, complementar o esforço actual, acelerando assim o processo de construção de infra-estruturas”?, questiona.

Logo de seguida, Magid explica que “ignorando para já a problemática sobre a capacidade de absorção, de gestão e sobretudo da manutenção de mais infra-estruturas, concentremos na questão simples mas importante sobre a origem de fundos, dos 400 a 500 milhões de USD/ano. Poderão os fundos necessários resultar de poupanças nacionais ou do Orçamento do Estado, ou de uma combinação destas duas fontes?

Nos últimos dois anos, a captação de poupanças (aumento de depósitos mais emissão de títulos de dívida pública e de particulares com excepção dos subscritos pelos bancos) pelo sistema financeiro, terá sido em média da ordem dos 250 Milhões de USD/ano, portanto, muito longe dos 400 a 500 milhões de USD de investimento público anual, para além da questão da concorrência que seria travada entre a banca comercial e o de desenvolvimento na captação dessas poupanças”.

Casos extremos vs. consequências

Para Magid Osman, mesmo numa situação extrema de os juros serem assumidos total ou parcialmente pelo Orçamento Geral do Estado, será necessário amortizar o capital mutuado para garantir a integridade das poupanças e são poucos os investimentos em infra-estruturas que podem assegurar a amortização do capital mutuado. Por outro lado, escreve ele, o uso de poupanças nacionais para financiar as infra-estruturas pela via do Banco de Desenvolvimento teria as seguintes consequências:

● Reduziria substancialmente os fundos disponíveis para a concessão de empréstimos pelos bancos comerciais ao sector privado, tornando o processo de atribuição de crédito ainda mais selectivo e elevando significativamente as taxas de juro, pois a oferta de crédito reduzir-se-ia dramaticamente ;
● O financiamento de infra-estruturas por poupanças internas aumentaria a pressão sobre o metical pois, uma parte dos investimentos em infra-estruturas são em divisas e, sem o financiamento externo, o défice da balança de pagamentos seria agravado, quase que forçando o país a voltar ao regime antigo de decidir a afectação das escassas divisas pela via administrativa;
● Finalmente, o Orçamento Geral do Estado não tem capacidade para financiar um Banco de Desenvolvimento na dimensão referida, isto é, como provedor de meios financeiros nem mesmo para assumir o serviço da dívida, pois ainda tem muitas necessidades por satisfazer, como é o caso, por exemplo, da manutenção das infra-estruturas.

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