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Monday, June 11, 2007

Há conflito de políticas em Moçambique

Liberalização do espaço aéreo

Há conflito de políticas em Moçambique

Texto: Arão Valoi

Um estudo intitulado “Clear Skies Over Southern África” (Céus Límpidos sobre África Austral), desenvolvido pela COMMARK Trust, uma iniciativa para o Desenvolvimento Regional estabelecida em 2003, com apoio do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID) concluiu existir um conflito de políticas em Moçambique entre, por um lado, o desenvolvimento do turismo e, por outro, o proteccionismo que se estabelece para a companhia aérea nacional, a LAM, bloqueando as rotas internacionais para outras operadoras.

“Moçambique apresenta um claro exemplo de um conflito entre os interesses do turismo e os da companhia aérea nacional”, lê-se no documento, na posse do Meianoite, que acrescenta que “o Governo moçambicano reconheceu a importância do turismo para a sua economia nacional, tal como se reflectiu na criação de um Ministério de tutela, em 2000 e na elaboração de vários planos de desenvolvimento do sector turístico”. Contudo, sustenta o mesmo, “continua a proteger a companhia aérea nacional, restringindo a competição nas rotas internacionais”. Segundo o documento da COMMARK Trust, com sede na África do Sul, “isso reduz artificialmente o número de turistas que visitam Moçambique, prejudicando os próprios objectivos do Executivo para o sector”. De resto, o documento anota que os efeitos dessas restrições podem ver-se nos custos de voos entre Joanesburgo e Maputo, comparativamente com os voos entre Joanesburgo e Durban. “A primeira rota é vital para a indústria turística de Moçambique, pois, a maioria dos turistas entram e saem da região por Joanesburgo”.
Uma vez que Durban e Maputo estão à mesma distância de Joanesburgo, os custos dos voos para os dois destinos deveriam ser sensivelmente os mesmos. Contudo, os voos de regresso para Maputo são 163 porcento mais caros do que os voos de regresso para Durban (ou seja, um bilhete para Durban é 62 porcento mais barato do que um bilhete para Maputo). Isso influencia claramente a decisão dos turistas sul-africanos ou estrangeiros que têm de optar entre as duas cidades.
A liberalização do transporte aéreo em Moçambique, sustenta o documento, permitiria maior competição entre as companhias aéreas a operar, além de facilitar a entrada de novas, incluindo operadores low-costs. Os preços na rota Joanesburgo–Maputo deveriam cair para o mesmo nível da rota Joan­esburgo–Durban. O estudo mostra que a liberalização aumentaria as chegadas de turistas em 37%, incrementaria os gastos de turistas em 5 milhões de USD e contribuiria com 9 milhões de USD para o PIB de Moçambique. Criaria 1.000 novos postos de trabalho na indústria turística e cerca de 2.000 na economia em geral. Neste momento, a transportadora nacional moçambicana, a LAM, tem apenas 645 funcionários. Isso realça os custos desproporcionalmente elevados da continuação da protecção da companhia aérea nacional em detrimento da indústria turística.

Experiências de liberalização

Países africanos como o Quénia, o Egipto e o Uganda já liberalizaram seus mercados de transporte aéreo, com resultados, na generalidade, positivos. As companhias aéreas do Quénia e do Egipto obtiveram bons resultados e as suas indústrias turísticas beneficiaram. O Uganda sentiu as vantagens, mesmo não dispondo de uma companhia aérea nacional. As mesmas são particularmente notórias na rota Nairoibi-Joanesburgo. Na verdade, o acordo de serviço aéreo entre os dois países foi liberalizado em Maio de 2000. As restrições a outras companhias aéreas que voam nessa rota foram levantadas e o número de voos autorizados aumentou de 4 para 14 por dia. Dados em nosso poder indicam que o acordo foi mais liberalizado em 2003, quando terminaram as restrições restantes relativas ao número de voos.
De resto, quanto a esta matéria, o estudo da COMMARK Trust mostra que entre Maio de 2000 e Setembro de 2005, o volume de passageiros mensal conheceu um incremento em cerca de 69%, motivado pela tendência de pré-liberalização.

O mercado do transporte aéreo doméstico sul-africano também beneficiou consideravelmente com a liberalização no início dos anos 90. Durante esta década e início da de 2000, o volume de passageiros em rotas domésticas aumentou mais de 80%. Na verdade, a abertura permitiu a entrada de duas companhias low costs: a Kulula, em 2001 e a 1time, em 2004.
Trata-se de companhias que só voavam nas rotas de grande volume mais estabelecidas, mais à medida que foram crescendo, começaram a operar também para centros mais pequenos, como George e East London. Como se pode notar pela leitura das tabelas, o impacto nestas rotas foi considerável, uma vez que depois de a Kulula ter começado a voar para George, o volume total de passageiros nessa linha aumentou 159% entre 1998 e 2005. De igual modo, um ano depois de a 1 Time ter começado a operar para East London, 2005, o volume total de passageiros tinha aumentado 52%. De resto, o sucesso das companhias aéreas low costs da África do Sul permitiu que começassem a voar para outros estados-membros da SADC.

Duas análises estatísticas

Para compreender melhor o impacto da liberalização dos transportes aéreos nas tarifas de voos e no volume de tráfego aéreo na região, a Commark Trust fez duas análises estatísticas, ou econométricas. Estas envolveram 12 Estados-membros da SADC, nomeadamente Angola, Botswana, República Democrática do Congo, Lesotho, Madagáscar, Malawi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe.
Em relação às tarifas aéreas, foi analisado o impacto na sua liberalização em 56 rotas da SADC. Os resultados mostram que as tarifas aéreas são 18 porcento mais baixas nas rotas liberalizadas e que, de acordo com a documentação disponível, poderia ter aumentado o volume de passageiros em 14 a 32 porcento, estando provavelmente mais próximo do valor mais elevado. A análise mostra também que a presença de uma companhia aérea low-cost numa determinada rota reduziu os preços numa média de 40 porcento, o que poderá ter aumentado o volume de passageiros em 32 a 72 porcento.
Em relação ao volume de passageiros, foi analisado o impacto da liberalização entre 1999 e 2004 em 16 rotas entre Joanes­burgo e outros destinos na SADC. Os resultados mostram que, no seguimento de acordos bilaterais mais liberais, o volume de passageiros aumentou em média 23 porcento e que os grandes aumentos iniciais na capacidade permitidos pelos acordos bilaterais aumentaram ainda mais o volume de passageiros numa média de 12 porcento. Análises tipo volume/preço mostram que a liberalização conduz a volumes de passageiros superiores (aumento de 20%) e a preços mais baixos, para além de que os efeitos da liberalização na SADC seriam idênticos aos de outras regiões do mundo.

As vantagens da liberalização

As consequências de um aumento de 20 porcento nas viagens aéreas seriam significativas. O estudo mostra que isso resultaria num aumento de visitas de 500.000 turistas estrangeiros à SADC todos os anos. Gastariam mais de 500 milhões de USD em actividades relacionadas com turismo. Este facto, associado ao efeito multiplicador na economia geral da SADC, aumentaria o PIB da região em cerca de 1,5 biliões de USD por ano, ou cerca de meio porcento. Só na indústria das viagens e turismo seriam criados cerca de 35.000 novos postos de trabalho e outros 37.000 na economia geral da SADC.

“Estamos a liberalizar passo a passo”, António Munguámbe

O Ministro dos Transportes e Comunicações, António Munguambe, disse que o estudo chama a atenção do Governo moçambicano, sobretudo para olhar com muita atenção os aspectos regulatórios e normativos. Os operadores do sector aéreo, segundo o Ministro, devem ter em conta os desafios que se colocam na região e que se preparem para enfrentá-los.

Munguambe referiu que tem havido a percepção de que o Governo protege a companhia Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), “o que não é verdade”. Para ele, o Executivo está a conduzir o processo de liberalização de forma faseada para evitar crises no sector. Na verdade, tal como explicou o titular da pasta dos Transportes e Comunicações, “há que ver a que ritmo avançar”. “Por exemplo, já liberalizámos a espinha dorsal, a linha entre Maputo-Beira, Nampula-Pemba que, durante muito tempo era operada em regime de monopólio pelas Linhas Aéreas de Moçambique”. O monopólio, segundo ele, visava que a empresa pública de transporte aéreo se organizasse. Terminado o processo, a rota foi aberta a outras operadoras. E, o processo de abertura continua e está integrado no contexto da Declaração de Yamussuko.
Há um entendimento de que os passos a dar não podem ser do arbítrio do Governo, uma vez existir uma conjuntura nacional, regional e internacional. “Hoje em dia falamos de integração regional e da globalização. Não podemos andar à margem destes processos”, salientou o Ministro dos Transportes.

A questão dos “low cost

O Ministro garantiu que até finais de 2007 e princípios de 2008, o país terá operadores de tipo “low cost”, ou seja, de baixo custo. Ora, isso implica que haja entrada, no mercado, de novos operadores aéreos. “Se não conseguirmos fazer, teremos que nos associar aos outros ou então teremos que os deixar operar”, referiu.

Conflito de interesses?

“Não há conflitos de políticas entre, por um lado, o interesse de desenvolver o turismo e, por outro, o proteccionismo a que se refere o relatório da LAM”, frisou António Munguámbe, apontando que “respeitamos as opiniões dos outros”. O Governo de Moçambique está claro no que faz e no que pretende fazer, acrescentou. As estatísticas do Governo indicam que o turista sul-africano prefere usar o seu carro para vir a Moçambique, de tal forma que a discussão de que a falta de liberalização do troço Maputo-Joanesburgo tem impactos negativos no turismo não encontra enquadramento.

Um exemplo infeliz?

Ainda nos seus argumentos, o Ministro indicou que a rota Joanesburgo-Nairobi, citado pelo estudo como modelo em termos de resultados pós-liberalização, é apenas operada pela South African Airways (SAA) e pela Quênia Airways. Reconhece que houve tentativas de liberalização, mas depois foi um fracasso. Quanto ao poderio da companhia queniana, o Ministro notou que esta faz parte da AirFrance, sendo por aí que deve ser vista a pujança daquela operadora. “Na verdade, nós também teremos que pensar em estratégias de parceria para sobreviver”.

Comparação ambígua

A dado passo, o estudo conclui que as rotas Maputo-Joanesburgo e Joanesburgo-Durban tem a mesma distância, cerca de 500 Km. Porém, os preços praticados nos dois caminhos, são diferenciados, sendo altos na rota a Moçambique. O Ministro explicou que isso fica a dever-se ao facto de ser política do Governo sul-africano subsidiar as rotas domésticas para depois compensar com as regionais e internacionais. “Uma comparação entre rotas subsidiadas e as que não tem esse apoio, é absurda”, refere. Por outro lado, o estudo caiu no erro de comparar uma rota doméstica, a de Joanesburgo-Durban, com uma internacional, a de Maputo-Joanesburgo.
Paradoxo?

Se é verdade que não há conflito de interesses entre o turismo e o proteccionismo das LAM, também é verdade que “a liberalização do espaço aéreo poderia dar mais alento ao turismo nacional”, refere Manuel Carlos, economista moçambicano. Na sua óptica, “há uma percepção errónea segundo a qual a liberalização tenderá levar à falência as empresas tradicionalmente conhecidas”. Acrescentou que há interesses até paradoxais, uma vez que “semanalmente discute-se que, no contexto da integração regional na SADC, Moçambique só é competitivo no sector do turismo”, de tal forma que “uma aposta neste ramo, é vista como a bóia de salvação”.Na verdade, o Ministro do Turismo, Fernando Sumbana, tem estado a afirmar, vezes sem conta, que “pretende salvar o país”, já que espera um aumento significativo de receitas provenientes do turismo. “Moçambique espera receber este ano cerca de um milhão de turistas, o maior número das últimas décadas. Estes turistas vão contribuir com quase 150 milhões de dólares norte-americanos para a economia moçambicana”, anunciou Sumbana durante a sessão da Bolsa do Turismo de Maputo.