O Governo criou mais dez novas autarquias, elevando para quarenta e três o número de municípios no país, criadas ao abrigo do processo de autarcização iniciado em 1997. É uma verdadeira política de contramão, tendo em conta que as anteriores 33 autarquias já eram um fardo pesadíssimo para os cofres do Estado. Sempre sobreviveram das transferências do Orçamento Geral Estado (OGE), no contexto do Fundo de Compensação Autárquica (FCA) e do Fundo de Investimento em Inciativas Locais (FIIL). Ao aumentar mais dez “quilos” no fardo, o Executivo está a ignorar o facto de o OGE ser deficitário em mais de 50% e socorre-se do gradualismo da lei “para satisfazer apetites políticos”, segundo coincidem os analistas. O resultado, acrescentam, é que o OGE vai desviar-se das áreas consideradas prioritárias no PARPA e concentrar-se a questões meramente políticas.
A criação de autarquias, subdivididas em municípios (urbanos) e povoações (rurais), em que as cidades, vilas, aldeias, povoações são à partida elegíveis, ficando de fora os 128 distritos geridos pelos órgãos administrativos locais e, por conseguinte, sob administração central, está prevista na Lei 2/97, de 18 de Fevereiro (Lei das Autarquias). Entretanto, a mesma Lei estabelece um processo gradual, havendo necessidade de observância de certos requisitos para que um determinado local ganhe o estatuto de autaqruia. Entre
esses requisitos, está o número de habitantes, o nível de desenvolvimento sócio-económico e urbano, a capacidade de geração de receitas próprias, aos quais se juntam ao princípio de gradualismo e a capacidade de aumento do Orçamento do Estado. De resto, foram estes requisitos que o ex-Ministro da Administração Estatal, Lucas Chomera, diz terem pesado para a escolha das dez vilas, para além de se ter fundamentado no artigo 5 da Lei 2/97. As vilas transformadas em municípios tem, ainda de acordo com Chomera, entre 10 mil e 30 mil habitantes.
Eis a Lista, por Província, das Vilas propostas para Autarquias
Província Vila proposta para autarquia
Cabo Delgado Mueda
Niassa Marrupa
Nampula Ribáue
Zambézia Alto Molócue
Sofala Gorongosa
Manica Gondola
Tete Ulóngue
Inhambane Massinga
Gaza Macia
Maputo Namaacha
Apadrinhar a insustentabilidade
Até então, funcionavam, no país, 33 municípios como espelha o quadro abaixo. Na generalidade, todos eles não têm até agora capacidade financeira de, por sí sós, dirigirem os seus destinos. Segundo dados contidos na Lei do OGE 2008, Maputo, por exemplo, só tem capacidade para gerar o suficiente para cobrir 40% das suas despesas, sendo que os restantes 60% dependem do FCA. As restantes 32 autarquias geram 33%, sendo o défice na ordem de 66% também coberto pelo Estado, através do FCA pelo Fundo de Investimentos em Iniciativas locais.
Lucas Chomera resumiu em cerca de 500 milhões de Meticais (500 biliões da antiga família), o montante que o Estado gasta anualmente para a cobertura destas despesas em todas as autarquias. O ex-Ministro reconheceu que se trata de um valor elevado, mas negou a ideia de que as autarquias são um fardo para os cofres do Estado.
A grande inquietação que se coloca relaciona-se com a velocidade com que o Governo encara este assunto de, mesmo antes de se consolidarem as 33 autarquias, avançar para mais dez. Jorge Salomão, consultor na área de descentralização alerta sobre o requisito “número de habitantes” que, segundo ele, não deve ser usado para a concessão da categoria de autarquia, porquanto, nem todos os habitantes de uma região tem poder de comparticipar para o bem do município. “Tudo deve ser visto de forma relativa”, sustenta, acrescentando que “corremos o risco de chamar-lhes autarquias quando são entidades administrativamente descentralizadas do Estado e que delem dependem quase inteiramente”.
Eis as 33 autarquias actualmente em vigor no país
Província Cidades e vilas com estatuto de autarquia
Cabo Delgado Pemba (capital), Montepuez (cidade) e Mocímboa Praia (vila)
Niassa Lichinga (capital), Cuamba (cidade) e Metangula (Vila)
Nampula Nampula (capital), Angoche, Ilha Moçambique, Nacala Porto (cidades) e Monapo (vila)
Zambézia Quelimane (Cid. Capital), Gurué, Mocuba (cidades) e Milange (Vila)
Manica Chimoio (Cid. Capital), Manica (Cidade) e Catandica (Vila)
Sofala Beira (Cid. Capital), Dondo (Cidade) e Marromeu (vila)
Tete Tete (Cidade Capital) e Moatize (Vila)
Inhambane Inhambane (Cid. Capital), Maxixe (Cidade) e Vilankulos (Vila)
Gaza Xai-Xai (cid. Capital), Chibuto, Chókwe (cidades) e Manjacaze (vila)
Maputo Matola (cidade capital) e Manhiça (vila)
Maputo.Cidade Maputo Cidade (capital do País)
Um olhar ao OGE 2008
As despesas totais do Estado para 2008 foram estimadas em 89.002,6 milhões de Meticais. Paradoxalmente, as receitas foram estimadas em 38.815,9 milhões de meticais. O défice era, portanto, de 56%. Os 89.002,6 milhões correspondem a 36,6 % do Produto Interno Bruto (PIB). Do valor global, 42,8% seriam alocados para as despesas correntes, 49,3% para as de investimento e 7,9% para as despesas com operações financeiras. Os recursos internos representavam 44%. O défice seria financiado por recursos externos, em que a componente “donativo” teria um peso de 68%. Os remanescentes 32% provinham de créditos. A afectação de recursos nas áreas prioritárias do PARPA aproximavaa-se aos 65% da despesa total. Note que a educação, que inclui o ensino superior e o ensino geral, era o sector que absorve grande parte dos recursos, cerca de 18,4%, sendo a área das infra-estruturas, que inclui as estradas, água e Obras Públicas, com 17,5% da despesa total do Estado. O Sistema de Governação, Segurança e Sistema Judicial, absorvia 8,6% . Do ponto de vista interpretativo, este sistema continua a ser o parente pobre do Governo. A Agricultura e Desenvolvimento Rural, com apenas 7,5% e a saúde e HIV/SIDA com 12,9% são um exemplo elucidativo da desorientação da afectação de recursos por parte do Governo. Isto equivele, segundo Jorge Salomão, ao dizer que com mais dez autarquias, estas prioridades serão ainda mais ignoradas, afinal “haverá necessidade de compensar os défices autárquicos que, nas dez vilas, serão ainda maiores”.
Renamo questiona critérios “tendeciosos”
Fernando Mazanga, Porta-voz do maior partido da oposição no país, a Renamo, questionou os critérios usados pelo Governo para escolher as dez vilas para ascenderem a categoria de autarquias. Mazanga disse, na altura, ter havido uma tendência em escolher aqueles locais onde a Frelimo, partido no poder, achou que fosse ganhar ou que estava politicamente melhor cotada, avisando, todavia, que o povo já não era criança. “Qual é o critério que o Governo usou para a escolha de uma e não da outra vila”?, questionou Mazanga, chumbando o argumento da Frelimo de que aquelas vilas são as que reúnem os requisitos previstos na Lei 2\97 de 18 de Fevereiro. Para Mazanga, todas as vilas deviam ser elevadas à categoria de autarquias, tanto é que o gradualismo defendido pelo Governo não é transparente. Já há muito que o próprio Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, defende a criação de mais municípios no país. Dhlakama sempre defendeu que o território nacional tem várias vilas e pequenas cidades com potencial populacional e económico para assumir a categoria de município, o que iria, de alguma forma, dinamizar o desenvolvimento dessas regiões. De resto, para a Renamo, a descentralização comportaria, em princípio, uma grande vantagem: a de lhe abrir as portas do poder, ainda que a nível local???????/
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