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Sunday, January 31, 2010

O “Leao” tem que virar Papai Noel

A auto-sustentabilidade das autarquias é um tema controverso. Há correntes defensoras da teoria segundo a qual estas entidades nunca se tornarão auto-sustentáveis do ponto de vista financeiro, uma vez que tem poucas fontes de proveniencia de receitas. Acresce-se a isso o facto de haver um aparente conflito entre o destino que é dado aos impostos cobrados nos territórios municipais. Regra geral, o Estado sai a ganhar, porquanto, grande parte dos impostos cobrados nos territórios autárquicos vão para os cofres daquele. Outros ainda defendem que há possibilidade de as autarquias se tornarem auto-sustentáveis, bastando explorar na íntegra as oportunidades de geração de receitas que as cidades fornecem. Mas há, dentro deste debate, quem aponte factores de ordem estrutural. De que lado mora a razão?

Contexto situacional

O número 1 do artigo 276 da Constituição da República fixa que “as autarquias locais tem finanças e património próprios”. Este dispositivo legal e demais legislação autárquica (com destaque para a Lei 2/97 de 18 de Fevereiro) estabelecem também que “os municípios estão sujeitos à tutela administrativa do Estado, gozam de autonomia financeira, administrativa e patrimonial”.

Entretanto, tal não passa de declaração de intenções políticas, uma vez que, segundo João Baptista dos Santos, jurista e docente universitário, “estas estratégias programáticas estão condicionados por um quadro dominado pela escassez e rigidez de recursos a nível nacional e por um sistema orçamental e fiscal concentrado e centralizado”. Aliás, terá sido por isso que o estudo da Metier, uma empresa de consultoria e desenvolvimento, intitulado “Perfil dos Municipios em Moçambique (2004) refere que “o padrão actual das receitas autárquicas é bastante concentrado e dependente das transferências do Estado” no contexto do Fundo de Compensaçã Autárquica (FCA) (previsto no artigo 40 da Lei das Finanças autárquicas e “à excepção de alguns impostos locais, a actividade tributária incide na cobrança por licenças concedidas e pela prestaçãa de serviços à população (32% da receita total).

Quando o leão tem que virar papai Noel

De acordo com as estimativas de cobranças nas principais repartições de finanças do Estado, 85% das receitas tributárias do Estado tem origem na actividade económica residente nos 33 municípios, sendo transferida na quase totalidade para o Orçamento Geral do Estado (OGE). Em troca, o Fundo de Compensação Autárquica transferido para os municípios equivaleu somente a 1.5% da receita total do Estado em 2008. Jorge Gabriel tem feito estudos sobre o processo de autarcização em Moçambque e questiona como é que as autarquias podem tornar-se sustentaveis numa lógica em que o leão nunca aceita virar papai noel, não havendo espaço para a libertação, a favor dos municípios, dos espaços fiscais existentes nos seus próprios territórios”. Este estudioso levanta outra questão que tem a ver com a lógica distributiva desses fundos. Segundo ele, não tem obedecido ao volume de receitas que o Estado arrecada em cada território fiscal do município. Poe exemplo, os dados estatísticos revelam que em 2008 o município de Chókwe contribuiu mais para o OGE em relação a Chibuto. Porém, Chibuto recebe mais do FCA em relação a Chókwe. Em 2008, Chibuto recebeu um total de 8.832 milhões de meticais, contra 6.320 milhões de Chokwe.

Como aliviar o fardo?

José Chichava, antigo ministro da Administração Estatal em entrevista exclusiva, levatou dois aspectos estruturais e cruciais e que é importante reté-los no processo de autarcização. e que podiam minimizar o crónico problema de insustentabilidade autárquica, nomeadamente:

1- Que a escolha dos municípios não dependa do seu tamanho, ou seja, os próximos municípios escolhidos não devem ser de uma área muito grande, para, à medida que forem crescer, poderem ser alargados. o essencial é criar um núcleo municipal em cada cidade e estabelecer um período, por exemplo, de cinco anos, depois do qual estas entidades solicitarão ao Governo, o alargamento da área de jurisdiçao. Segundo Chichava, não é correcto que um município tenha uma área rural ou suburbana que cobre mais de 50% do total da área municipal. O que vai acontecer (e é o que acontece) é que a área rural vai ficar negligenciada e a urbana, cuja população é mais exigente, porque esclarecida, ficará benefciada, sendo que as taxas cobradas pela autarquia não terão em conta estas diferenciações. se assim fosse, ainda seguindo a lógica do Professor, as autarquias não teriam muitas obrigações e limitar-se-iam à região urbana, sendo que a rural ficaria na responsabilidade directa do Estado.

2- Não deixar que, mesmo depois dos 5 anos, o município alargue a sua área, de tal modo que, nas outras áreas se criem também municípios adjacentes, o que faria com que depois de algum periodo, a zona rural desaparecesse. É por isto que nalguns paises existem mais mais de 700 municipios. Na óptica de Chichava, o municipio de Maputo, por exemplo, é muito grande do ponto de vista de gestão, de tal forma que, se calhar fosse sensato, ter municípios em áreas como Catembe, Ponta D’Ouro e em outros distritos urbanos mais ou menos extensos.

Apadrinhar a insustentabilidade

O Governo criou mais dez novas autarquias, elevando para quarenta e três o número de municípios no país, criadas ao abrigo do processo de autarcização iniciado em 1997. É uma verdadeira política de contramão, tendo em conta que as anteriores 33 autarquias já eram um fardo pesadíssimo para os cofres do Estado. Sempre sobreviveram das transferências do Orçamento Geral Estado (OGE), no contexto do Fundo de Compensação Autárquica (FCA) e do Fundo de Investimento em Inciativas Locais (FIIL). Ao aumentar mais dez “quilos” no fardo, o Executivo está a ignorar o facto de o OGE ser deficitário em mais de 50% e socorre-se do gradualismo da lei “para satisfazer apetites políticos”, segundo coincidem os analistas. O resultado, acrescentam, é que o OGE vai desviar-se das áreas consideradas prioritárias no PARPA e concentrar-se a questões meramente políticas.

A criação de autarquias, subdivididas em municípios (urbanos) e povoações (rurais), em que as cidades, vilas, aldeias, povoações são à partida elegíveis, ficando de fora os 128 distritos geridos pelos órgãos administrativos locais e, por conseguinte, sob administração central, está prevista na Lei 2/97, de 18 de Fevereiro (Lei das Autarquias). Entretanto, a mesma Lei estabelece um processo gradual, havendo necessidade de observância de certos requisitos para que um determinado local ganhe o estatuto de autaqruia. Entre
esses requisitos, está o número de habitantes, o nível de desenvolvimento sócio-económico e urbano, a capacidade de geração de receitas próprias, aos quais se juntam ao princípio de gradualismo e a capacidade de aumento do Orçamento do Estado. De resto, foram estes requisitos que o ex-Ministro da Administração Estatal, Lucas Chomera, diz terem pesado para a escolha das dez vilas, para além de se ter fundamentado no artigo 5 da Lei 2/97. As vilas transformadas em municípios tem, ainda de acordo com Chomera, entre 10 mil e 30 mil habitantes.

Eis a Lista, por Província, das Vilas propostas para Autarquias

Província Vila proposta para autarquia
Cabo Delgado Mueda
Niassa Marrupa
Nampula Ribáue
Zambézia Alto Molócue
Sofala Gorongosa
Manica Gondola
Tete Ulóngue
Inhambane Massinga
Gaza Macia
Maputo Namaacha

Apadrinhar a insustentabilidade

Até então, funcionavam, no país, 33 municípios como espelha o quadro abaixo. Na generalidade, todos eles não têm até agora capacidade financeira de, por sí sós, dirigirem os seus destinos. Segundo dados contidos na Lei do OGE 2008, Maputo, por exemplo, só tem capacidade para gerar o suficiente para cobrir 40% das suas despesas, sendo que os restantes 60% dependem do FCA. As restantes 32 autarquias geram 33%, sendo o défice na ordem de 66% também coberto pelo Estado, através do FCA pelo Fundo de Investimentos em Iniciativas locais.

Lucas Chomera resumiu em cerca de 500 milhões de Meticais (500 biliões da antiga família), o montante que o Estado gasta anualmente para a cobertura destas despesas em todas as autarquias. O ex-Ministro reconheceu que se trata de um valor elevado, mas negou a ideia de que as autarquias são um fardo para os cofres do Estado.

A grande inquietação que se coloca relaciona-se com a velocidade com que o Governo encara este assunto de, mesmo antes de se consolidarem as 33 autarquias, avançar para mais dez. Jorge Salomão, consultor na área de descentralização alerta sobre o requisito “número de habitantes” que, segundo ele, não deve ser usado para a concessão da categoria de autarquia, porquanto, nem todos os habitantes de uma região tem poder de comparticipar para o bem do município. “Tudo deve ser visto de forma relativa”, sustenta, acrescentando que “corremos o risco de chamar-lhes autarquias quando são entidades administrativamente descentralizadas do Estado e que delem dependem quase inteiramente”.

Eis as 33 autarquias actualmente em vigor no país

Província Cidades e vilas com estatuto de autarquia

Cabo Delgado Pemba (capital), Montepuez (cidade) e Mocímboa Praia (vila)
Niassa Lichinga (capital), Cuamba (cidade) e Metangula (Vila)
Nampula Nampula (capital), Angoche, Ilha Moçambique, Nacala Porto (cidades) e Monapo (vila)
Zambézia Quelimane (Cid. Capital), Gurué, Mocuba (cidades) e Milange (Vila)
Manica Chimoio (Cid. Capital), Manica (Cidade) e Catandica (Vila)
Sofala Beira (Cid. Capital), Dondo (Cidade) e Marromeu (vila)
Tete Tete (Cidade Capital) e Moatize (Vila)
Inhambane Inhambane (Cid. Capital), Maxixe (Cidade) e Vilankulos (Vila)
Gaza Xai-Xai (cid. Capital), Chibuto, Chókwe (cidades) e Manjacaze (vila)
Maputo Matola (cidade capital) e Manhiça (vila)
Maputo.Cidade Maputo Cidade (capital do País)

Um olhar ao OGE 2008

As despesas totais do Estado para 2008 foram estimadas em 89.002,6 milhões de Meticais. Paradoxalmente, as receitas foram estimadas em 38.815,9 milhões de meticais. O défice era, portanto, de 56%. Os 89.002,6 milhões correspondem a 36,6 % do Produto Interno Bruto (PIB). Do valor global, 42,8% seriam alocados para as despesas correntes, 49,3% para as de investimento e 7,9% para as despesas com operações financeiras. Os recursos internos representavam 44%. O défice seria financiado por recursos externos, em que a componente “donativo” teria um peso de 68%. Os remanescentes 32% provinham de créditos. A afectação de recursos nas áreas prioritárias do PARPA aproximavaa-se aos 65% da despesa total. Note que a educação, que inclui o ensino superior e o ensino geral, era o sector que absorve grande parte dos recursos, cerca de 18,4%, sendo a área das infra-estruturas, que inclui as estradas, água e Obras Públicas, com 17,5% da despesa total do Estado. O Sistema de Governação, Segurança e Sistema Judicial, absorvia 8,6% . Do ponto de vista interpretativo, este sistema continua a ser o parente pobre do Governo. A Agricultura e Desenvolvimento Rural, com apenas 7,5% e a saúde e HIV/SIDA com 12,9% são um exemplo elucidativo da desorientação da afectação de recursos por parte do Governo. Isto equivele, segundo Jorge Salomão, ao dizer que com mais dez autarquias, estas prioridades serão ainda mais ignoradas, afinal “haverá necessidade de compensar os défices autárquicos que, nas dez vilas, serão ainda maiores”.

Renamo questiona critérios “tendeciosos”

Fernando Mazanga, Porta-voz do maior partido da oposição no país, a Renamo, questionou os critérios usados pelo Governo para escolher as dez vilas para ascenderem a categoria de autarquias. Mazanga disse, na altura, ter havido uma tendência em escolher aqueles locais onde a Frelimo, partido no poder, achou que fosse ganhar ou que estava politicamente melhor cotada, avisando, todavia, que o povo já não era criança. “Qual é o critério que o Governo usou para a escolha de uma e não da outra vila”?, questionou Mazanga, chumbando o argumento da Frelimo de que aquelas vilas são as que reúnem os requisitos previstos na Lei 2\97 de 18 de Fevereiro. Para Mazanga, todas as vilas deviam ser elevadas à categoria de autarquias, tanto é que o gradualismo defendido pelo Governo não é transparente. Já há muito que o próprio Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, defende a criação de mais municípios no país. Dhlakama sempre defendeu que o território nacional tem várias vilas e pequenas cidades com potencial populacional e económico para assumir a categoria de município, o que iria, de alguma forma, dinamizar o desenvolvimento dessas regiões. De resto, para a Renamo, a descentralização comportaria, em princípio, uma grande vantagem: a de lhe abrir as portas do poder, ainda que a nível local???????/