Um olhar sobre as causas da instabilidade na RSA O fim do Apartheid não significou o fim da pobreza A “Nação Arco-Íris”, a África do Sul, está em polvorosa. Visto, até há bem pouco como um “el-dourado”, a terra de Rand transformou-se, em tão curto espaço de tempo, num autêntico Iraque em África. Os actos de xenofobia praticados pelos nativos contra os estrangeiros, incluíndo moçambicanos, que saldaram na morte de cerca de 40 estrangeiros e no abandono de mais de 10 mil cidadãos moçambicanos indiciam algo que vai mal naquele País. Por causa do seu nível de desenvolvimento, a África do Sul foi sempre procurada por cidadãos de todos os países da região, nomeadamente, Moçambique, Malawi, Zimbábwè, Tanzania, Angola e outros. Estes países apresentam, em geral, níveis elevados de pobreza. Mas o paraíso, parace estar enfernizado. Conheça as prováveis causas.
A falha da GEAR
A África do Sul possui, actualmente, 48 milhões de habitantes. Metade desta população (que iguala ao actual número da população moçambicana) é pobre, tal como reportam os dados da CIA World Factbook, de 2007. Quando o País libertou-se do regime racista do Apartheid e realizou as suas primeiras eleições democráticas em 1994, ganhas pelo mítico Nelson Mandela, o gradiente de expectativas em torno da população negra pobre sul-africana conheceu subidas já mais vistas. Pensava-se que o fim do Apartheid significasse também o fim da pobreza. De acordo com Andile Mngxitama, analista sul-africano, desde a sua adopção em 1996, a Estratégia de Crescimento, Emprego e Redistribuição (GEAR, em inglês), a versão Sul-africana do Programa de Ajuste Estrutural (PAE), imposta pelas instituições de Bretton Woods a todos os países pobres, “só conseguiu frustrar as esperanças da população pobre para quem o fim do apartheid significaria também a libertação da pobreza”.
Porém, essas esperanças “desapareceram rapidamente quando a nova elite política abandonou o ethos igualitário que havia fundamentado a luta contra o apartheid, a favor de soluções neoliberais para os desafios que enfrentava a nova nação. Andile lembra que não se pode deixar de lado as responsabilidades que a “Bretton Woods” tem neste processo, uma vez que “a liberalização sempre foi imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais conhecido por Banco Mundial”. De resto, a fonte indica que “nos últimos anos, ficaram cada vez mais claros os altos custos dessas políticas para a maioria pobre. Em 2006, a Comissão Sul-africana dos Direitos Humanos informou que cerca de 24 milhões de habitantes viviam abaixo da linha da pobreza mensal de 390 randes. Desse número, acrescenta a Comissão, somente 3 milhões de pessoas eram atendidas por medidas de redução da pobreza.
Abando da linha progressista para o neoliberalismo
Em 1996, dois anos após as primeiras eleições democráticas, a nova elite política abandonou o Programa de Reconstrução e Desenvolvimento, (embora orientado para o mercado, era progressista e olhava mais para as preocupações dos mais desfavorecidos), a favor da nova, a GEAR. Fundado nos pressupostos neoliberais e no receituário do Washington Consesus, incluíndo a desregulamentação, orientação para as exportações, privatização, liberalização, dependência em relação a investimentos estrangeiros directos e limitação dos défices orçamentais através de cortes nos gastos sociais, a política da GEAR não produziu crescimento, emprego e redistribuição. Numa Conferência regional sobre as privatizações havida em 2006, reunindo, em Cape Town, várias organizações da sociedade civil, Dot Ket, uma famosa defensora do anti-liberalismo económico, notou que a GEAR havia prometido criar 1.3 milhão de empregos entre 1996 e 2001. Porém, “isso não aconteceu”, lamentava Dot, numa entrevista conduzida pelo autor deste artigo. Ao contrário, descrevia a fonte, “mais de meio milhão de empregos foram perdidos nesse mesmo período”. Por sua vez, a Econometrix, uma publicação que mede o pulsar da economia Sul-africana, indicava ter havido um decréscimo de 10% no emprego no sector formal, desde 1996. Ou seja, “a redistribuição do GEAR não passou da típica criação neocolonial de uma pequena elite nacional”.
População abaixo do nível da pobreza na SADC, em 2007, segundo dados da CIA World Factbook
País Percentagem da população Zâmbia 86%
Zimbábwe 80%
Angola 70%
Moçambique 70%
Suazilândia 69%
Malawi 53%
África do Sul 50%
Lesotho 49%
Tanzania 36%
Botswana 30.3%
Níveis de pobreza dos países como Zimbábwe, Zámbia, Angola e Moçambique podem explicar a emigração para a RSA cujas populações são também pobres, acabando por criar fortes choques sociais.
A falha do Black Economic Empowerment
Dot Ket disse que “uma das coisas que a GEAR previa era a redistribuição da riqueza no País”. Inicialmente, “não houve consenso sobre como é que isso seria feito”. Mas o Governo Sul-africano acabou encontrando uma forma que foi bastante aplaudida, mesmo a nível internacional: o Black Economic Empowerment, ou seja, uma espécie de “empoderamento dos negros”. Na verdade, era uma forma de descriminação positiva que visava uma certa reorientação de riqueza, direccionando-a para as mãos de negros. Durante largos anos, a África do Sul foi tida como sendo de raça branca, no contexto do apartheid. E a estratrégia chegou a vincar. Aos investidores estrangeiros, era obrigatório que, caso quisessem investir na RSA, tivessem pelo menos um accionista negro. Entretanto, várias análises coincidem ao afirmar que o BEE serviu apenas para agudizar as diferenças entre negros e negros. Na verdade, “o BEE está a criar uma pequena elite negra, que fica cada vez mais rica, enquanto que grande parte da população, em geral, sem acesso aos serviços de educação e saúde, continua a viver abaixo da linha da pobreza”, salientou Dot, aparentemente revoltada.
Profecia dos analistas
Analisando o papel da África do Sul na SADC, Hans Abrahamsson e Anders Nilsson, dois investigadores suecos escreveram na sua obra intitulada “Ordem Mundial Futura: Empowerment e Espaço de Manobra, Governação Nacional em Moçambique”, de 2005, que a RSA foi admitida na SADC porque via-se nela uma possibilidade de reorientação dos investimentos para os outros países da região. Mas deixaram claro que o papel que a RSA poderá desempenhar na cooperação futura da SADC, tanto como motor económico de região, tanto como poder dominante, dependia de dois factores interligados.
O primeiro é que, internacionalmente, existe uma tendência de diminuição da dependência dos países industrializados em relação aos minerais sul-africanos. Isto é uma consequência de desenvolvimento tecnológico em curso e do aumento da oferta de minerais no mercado mundial. Vários dos minerais importantes para a economia sul-africana existem em quantidades significativas na China e na Rússia (A china ocupa actualmente o primeiro lugar na produção do ouro). Uma tal diminuição da produção de minerais, terá como consequência, para além de uma redução das receitas das exportações, um aumento do desemprego no País (veremos mais adiante quando falarmos dos mineiros).
Esta situação reforçará o segundo factor, nomeadamente, a probabilidade de a África do Sul ser politicamente forçada a satisfazer urgentemente as necessidades recalcadas que a população negra tem de melhorias materiais e de um nível de vida mais alto, prometido logo após a victória sobre o apartheid. Isso vai fazer com que seja difícil a África do Sul tornar-se o motor económico da região. Terá de olhar para problemas internos.
Nas minas, o ouro já não tem o mesmo brilho...
A África do Sul tem mais de 100 minas de ouro e outras tantas de diamante. O sector mineiro sul-africano emprega um total de 450 mil trabalhadores estrangeiros, dos quais 50 mil são moçambicanos. Aquí neste sector, apenas três minas foram atingidas pelas manifestações xenófobas, nomeadamente, as de ERPM, Grootvlei e Marievale. Estas minas estão situadas na Província de Gauteng, em Joanesburgo. No entanto, não é nestas minas onde se concentra o maior número de moçambicanos. Estes são mais notáveis na região mineira de Carltonville, região que concentra mais de 50% dos 50 mil mineiros moçambicanos. José Carimo, Representante Regional da Teba para Moçambique e Suazilândia disse que a Teba aconselhou os trabalhadores das três minas afectadas a não renovarem os seus contratos, enquanto os ataques prevalecerem. Entretanto, garantiu que os ataques xeonófobos não significaram o fim de contratações para as minas. “Ainda na semana passada, cerca de 190 trabalhadores renovaram seus contratos”, frisou, acrescentando que “em média, por dia, regressam para Moçambique cerca de 200 trabalhadores mineiros e o igual número segue para o País vizinho”.
Impacto para África do Sul e Moçambique
Analistas coincidem, ao afirmar que os ataques xenófobos contra estrangeiros na RSA terão um impacto dramático quer na economia de Moçambique, quer na da África do Sul. José Carimo afirma que para a RSA “os ataques significam a redução em termos do output do ouro, platina e carvão naquele país, mas principalmente no output do ouro e platina. Ou seja, as minas de ouro é que serão as mais afectadas, já que são as que mais estrangeiros empregam, cerca de 50%, contra 42% nas minas de platina. Para o nosso País, estes acontecimentos significam que o Orçamento Geral do Estado (OGE) terá de se adaptar a viver sem o bibo. É que os mineiros contribuem para a Balança de Pagamentos de Moçambique com cerca de 656 milhões de Randes por ano, qualquer coisa como 92 milhões de dólares americanos. Arlindo Mendes, analista em assuntos internacionais afirmou que “muitos mineiros não poderão regressar às minas caso a situação prevaleça, o que terá um impacto forte para as economias de Moçambique e da RSA”. A Ministra do Trabalho, Maria Helena Taipo disse, há dias, “que os trabalhadores mineiros gozam de protecção especial”,afinal é deles que o governo abastece o bibo.
O princípio do fim...
A tendência do número de trabalhadores mineiros na RSA é de reduzir. Dados fornecidos pela Teba referem que o número já chegou a alcançar cifras astronomicas. Em 2003, por exemplo, o número baixou de 55 mil para apenas 50 mil, uma redução de 10%.
Governo sul africano também profetizou...
Em Dezembro de 2003, entrou em vigor uma nova Lei de Imigração na RSA. Em conformidade com esta Lei, cada empresa mineira terá sempre de declarar a “Home Affairs”, o número de trabalhadores estrangeiros que possui na sua unidade produtiva. A contratação de trabalhadores estrangeiros, ao abrigo desta Lei terá de passar por uma autorização pela “Corporate Permit”, entidade que detém a exclusividade de permitir às empresas a contratação de estrangeiros. Note que a “Home Affairs” só pode conceder a cada entidade patronal, um número limitado de estrangeiros. Mais o mais penoso é o facto de o Governo sul africano ter aprovado, no mesmo ano (2003), uma outra Lei distinta da primeira, a “Emigration Act” segundo a qual “toda a entidade patronal que emprega trabalhadores estrangeiros terá de descontar aos cofres do Estado uma taxa correspondente a 2% do salário anual de cada trabalhador estrangeiro. Note que este valor não é pago pelo trabalhador. É isso, sim, pago pela entidade patronal. O dinheiro é usado pelas autoridades sul-africanas para a formação de trabalhadores locais em especialidades dominadas por estrangeiros. Carimo nota que este é um mecanismo encontrado pelo Governo da RSA, não só para combater os níveis de desemprego naquele país, mas também para diminuir o elevado número de estrangeiros que concorrem com os nacionais, de forma desleal, no mercado de emprego. De resto, desde 2003, ano da entrada em vigor dessas leis, o número de mineiros moçambicanos na RSA reduziu em dez por cento. Embora José Carimo menospreze o seu impacto, a verdade é que esta legislação foi determinante, tanto é que “restringe a entrada de novatos, não só na indústria mineira sul-africana”. Carimo nota que, depois de alguma pressão por parte das entidades patronais em relação a estas leis, o Governo acabou fazendo algumas concessões, como por exemplo, a possibilidade de substituição pelos seus familiares, de trabalhadores que morrem nas minas, que se tornam incapacitados ou que contraiam doenças que os levem a repatriação para a casa, sejam eles estrangeiros ou não. Daí que concluía que a tendência será de manter, mas a decrescer gradualemente.
Novas tecnologias
Devido à introdução de novas tecnologias, a indústria mineira sul-africana tem vindo a reduzir paulatinamente a sua mão-de-obra, passando de uso intensivo de mão-de-obra para o uso do capital intensivo. Para Carimo, isso significou cada vez menos dependência em relação aos trabalhadores. Note, por exemplo, que em 2002, o encerramento da mina “Placerdome Western Area” levou a despedimento de muitos trabalhadores, incluíndo 738 moçambicanos. Esta mina, que empregava 4 mil trabalhadores, seria adquirida, mais tarde, por investidores canadianos. Mas quando estes chegaram, a sua primeira preocupação, foi de “racionalizar” a mão-de-obra e acabaram ficando apenas com metade dos 4 mil.
Idade das minas
Muitas minas sul-africanas, particularmente as de ouro, têm idade muito avançada. Muitas delas são exploradas desde os princípios do sêculo XX. Por isso, são minas muito profundas, o que faz com que a sua exploração se torne mais cara e quando se pensa nas medidas para a sua racionalização, recorre-se, logo, para a mão-de-obra.
Crise energética
Dados em nosso poder dão conta de que a crise energética na RSA, que ocorreu nos princípios do ano, terá causado desemprego nas minas. A crise prolongou-se até Março, uma vez que em Abril, o Governo sul-africano teve que rever a sua política energética em relação às minas. Antes , o fornecimento de energia nas minas estava abaixo de 90% das necessidades das empresas, mas a partir de Abril a Eskom, empresa Sul-africana de electricidade, teve que aumentar para 95% a quantidade de energia para o sector mineiro. A importância que este sector tem para a economia sul-africana terá pesado na decisão final. Mas a situação energética na região não é das melhores. Ao que tudo indica, a crise maior está ainda por vir. A preocupação em relação a energia levou a que os Ministros de Energia da SADC se reunissem em Moçambique, em 2007. Por ora, a RSA vai se beneficiando da energia produzida pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa, em Moçambique, que empresa que fornece energia também ao Zimbábwè.